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Crônicas

O pôr do sol que eu não queria ver

01/11/2017 - Taíla Quadros
#crônica #texto #saudade #texto da semana #família #avó

Todo mundo ama o pôr do sol, todo mundo fica ansioso para que ele chegue, mas tem um tipo de pôr do sol que poderia demorar muito para vir, aquele que leva as pessoas que a gente ama embora.

 

Minhas duas avós tinham muitos netos, muitos, e eu era só mais uma, nem a mais velha, nem a mais nova, nem a mais brilhante, só mais uma. Morando longe das duas, sempre achei que eu nunca seria importante na vida delas, era apenas mais uma pentelhinha correndo pela casa. Mas de uma coisa eu sei, para mim elas fizeram toda a diferença. Cada uma do seu jeito. A vó da cidade que ainda dá para brincar na rua e a vó do campo onde cada dia tinha uma aventura diferente. Para a guria de apartamento, eram momentos únicos. Essas férias que demoravam a chegar, tanto por esperar as férias, quanto pelas longas viagens, muitas vezes cheias de perrengues para estar perto delas.

 

Uma se foi tão cedo, numa idade que eu mal entendia o que estava acontecendo e a outra estava lá envolta em distância e outros netos que moravam muito mais perto do que eu. Talvez eu não tenha feito a diferença, mas, meus queridos, como elas fizeram na minha vida. Por causa delas, as duas cidades tem o cheiro de infância, as melhores memórias de quando eu era criança, e tudo nesses lá lembra elas, o sentimento de ansiedade de chegar e a vergonha de nunca conseguir dizer o quando eu gostava de estar lá.

 

Quando elas se vão sempre é muito cedo, sempre fica um vazio e nos falta o propósito, se elas não estão mais lá, porque voltar?

 

Mas, olha, pela primeira experiência que tive já posso dizer que vale a pena voltar sim, a gente sente os mesmos cheiros, relembra todas as cores, as brincadeiras, as broncas, as risadas e os presentes, o sentimento de liberdade que só se tinha na casa da vó. A cumplicidade de comer um doce escondido sem os pais saberem, de aprontar só mais um pouquinho. Como um adulto podia ser tão legal? Agora a gente entende que só sendo vó para ser assim.

 

Por tê-las tão longe, sempre quis ter uma família grande para reproduzir aqueles momentos e sentimentos de casa cheia, família reunida e toda a bicharada que eu não podia levar para casa. Mas na casa da vó podia. Podia correr, podia se sujar, podia brincar até cansar, mesmo sendo um tufinho como eu que só se soltava quase na hora de ir embora.

 

Quando a gente vai crescendo, começa a ouvir as conversas dos adultos e começa a perceber que todos somos humanos, que quem a gente ama também não é perfeito e tudo fica um pouco confuso, as nossas heroínas (desculpe vovôs, não tivemos tempo de nos conhecer) são gente também, tiveram a sua história, a sua trajetória e ficam velhinhas também.

 

Você volta pra casa sempre pensando no que poderia fazer para ajudá-las, para deixá-las felizes, para fazê-las de certa forma voltar no tempo. Não queria que minhas avós tivessem dores, limitações, dificuldades. Na verdade, não queria que ninguém tivesse dificuldades que a gente não pudesse ajudar, não pudesse resolver. O que vai ser da nossa vida sem elas, dos lugares que tudo lembram elas, da nossa infância que ficou lá atrás e agora só temos na memória? Virar adulto não é nada fácil e quando as últimas pontinhas da nossa infância se vão, o que a gente faz?

 

Tínhamos ainda tantas coisas para conversar, vocês tinham tanto a me ensinar e eu queria tanto estar mais perto. Queria que você soubessem disso, vocês nunca saíram da minha cabeça e do meu coração. Aqui vocês estão todos os dias comigo, fazendo a diferença para sempre.

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